Sonhos e lembranças

Quando nasce a criança, pais, avós, os parentes enfim, não deixam de fazer algum tipo de projeção sobre o futuro daquela criaturinha que ainda nem sequer sabe exatamente os caminhos que trilhará ao longo da vida. Sem dizer que os adultos temos sempre um palpite sobre com quem a criança se parece. Mas isso não vem ao caso. Importante é que a recém-nascida vai crescendo, se tornando criança, convivendo com os parentes que lhes servem de suporte para os primeiros aprendizados. Esse convívio com os parentes implica na formação da personalidade e do caráter da pessoa.

Quando era criança ouvi várias vezes de meu pai que eu deveria ser doutor e que então todas as tardes ele poderia tomar uma cerveja. Nesses tempos meu pai nem bebia, só tomou gosto pelo sabor etílico após os quarenta anos. Mas ao que tudo indica uma cerveja à tarde fazia parte de um imaginário das camadas populares que, aliás, Lula descobriu em sua última campanha quando disse que todo brasileiro tinha o direito de tomar uma cerveja à tarde. Mas isso também não vem ao caso, o que importa é que o meu pai queria que eu fosse doutor médico, não doutor advogado, pois insistia ele em dizer-me que se fosse advogado poderia ser movido a defender uma causa injusta. Claro que os advogados podem se recusar a defender determinadas causas, mas o que meu pai talvez quisesse dizer é que eu deveria ser uma pessoa justa.

Meu avô materno raramente ia à cidade. No sítio havia todo o básico para a subsistência e as vendas no distrito supriam alguma falta. Mas nas vésperas das grandes festas sempre era necessário buscar o guaraná e a cerveja que vinha envolvida por uma capa feita com os talos de arroz, costurados um ao lado do outro. Não era muita cerveja pois meu avô carregava essa sua compra dentro de um saco, desde a estrada onde parava o ônibus até a casa, uns dois quilômetros de distância.  Vez ou outra ele me levava consigo e depois das compras feitas, que incluía azeitonas, chocolate em pó, dentre outras especiarias, nos sentávamos à mesa e tomávamos guaraná e comíamos pão com mortadela. Eram bons momentos para ouvi-lo.

Meu pai realizou o sonho de ter os filhos formados, mas nem precisou que lhe propiciassem a cerveja aos fins de tarde, ele mesmo dava conta. Mas o mais importante não era a cerveja e sim os filhos bem encaminhados, graças não somente à sua projeção, mas especialmente pela tenacidade de minha mãe que nos empurrava para o caminho dos estudos.

Quanto à mortadela até hoje tenho o hábito de vez ou outra fazer um sanduíche, oportunidade ótima para recordar-me da convivência sempre muito carinhosa que me dedicavam os familiares.

Quando nos tornamos maduros nos lembramos de nossos antepassados muito mais pelo jeito amistoso como éramos tratados do que por eventuais repreensões mais severas que, com certeza, não faltaram.

Fiz essas considerações, nem tão interessantes, de propósito. Ora se coisas tão simples podem nos influenciar, que dizer dos conselhos, das fábulas que nos contavam, e tantas outras coisas mais importantes na convivência entre a criança e a família? Hoje, quando vejo professores reclamando de que não dão mais conta de manter a classe em ordem, fico pensando se os parentes dessas crianças foram carinhosos com elas, se lhes contavam histórias, pegavam-lhes pelas mãos para um passeio, ajudavam-nas a se equilibrarem em uma bicicleta, enfim, será que o velho ditado de que a educação vem do berço ainda continua válida?

Talvez nossos pais e avós nem tivessem consciência de que com pequenos exemplos que nos davam, de trabalho, amor, honestidade, estavam nos tornando cidadãos honrados.

Hoje, beirando os setenta anos, quando tomo meu neto pela mão ou minha netinha no colo, vêm-me à lembrança aquele convívio com tios, avós e pais e bate-me uma saudade doce e ao mesmo tempo o desejo de dedicar aos meus pequenos, carinho idêntico ao que recebi, passar-lhes exemplos de boa conduta, enfim, não obstante as dificuldades desse nosso mundo contemporâneo, apontar-lhes caminhos para a vida, passando por ladeiras de amor, encruzilhadas de paz, vias expressas de humildade, mas com perseverança.

Educar com amor remete-nos ao provérbio que nos ensina que “não herdamos a terra dos nossos ancestrais, nós a pedimos emprestado de nossas crianças”.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

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MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

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Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

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[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

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[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

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