O estandarte do sanatório geral vai passar

Em 5 de outubro de 1988 o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, declarou solenemente que estava promulgada a Constituição da República, e afirmou que ela era símbolo da “liberdade, fraternidade, da democracia e da justiça social”. Era a “Constituição Cidadã”, em vigor até os nossos dias, apesar de algumas emendas, e que criava, segundo se lê no artigo 127, o Ministério Público. “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.
Não podemos ler num repente esse artigo da Constituição, precisamos fixar bem as incumbências que lhe foram atribuídas: “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais...”. Era a esperança em um país mais justo que nascia entre nós brasileiros. E o Ministério Público tornou-se realidade, uma realidade que ultrapassa 30 anos de existência. Elogiado aqui e ali, criticado acolá por imiscuir-se algumas vezes em assuntos de somenos, eis que, no domingo próximo passado, uma bomba de nitrogênio explodiu sobre a sua conduta, especificamente as denúncias de que o procurador Dallagnol e o ex-juiz Moro teriam infringido os mais elementares princípios do Direito.
Nessa crônica, escrita na manhã do dia 11 [para publicação no dia 12], poderão faltar novos lances, novas provas e eventuais desdobramentos sobre essa situação, mas quaisquer que sejam as novidades, ninguém poderá negar a gravidade do assunto. A OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], em nota pública divulgada na segunda-feira, dia 10, manifestou “perplexidade e preocupação com os fatos recentemente noticiados pela mídia, envolvendo procuradores da República e um ex-magistrado (...) Não se pode desconsiderar ... a gravidade dos fatos, o que demanda investigação plena, imparcial e isenta. Ao final sugere que Moro e Dellagnol sejam afastados dos cargos que ocupam para que as investigações sejam isentas e, ainda, afirma que não se furtara em tomar as medidas cabíveis, inclusive junto ao Supremo Tribunal Federal.
Não se poderia esperar coisa diferente da OAB. A Ordem dos Advogados do Brasil é uma organização respeitada por muitos de seus posicionamentos, ao longo de sua história, em benefício da democracia. Exerce inclusive o poder de sobrepor-se à autoridade das universidades, aceitando ou não os seus egressos como advogados. Faz-me lembrar as Corporações de Ofício da Idade Média, que exigiam uma obra prima dos aprendizes para que eles pudessem se tornar mestres, assim como o exame da Ordem é determinante para a carreira do advogado.
Poderosa por um lado, a OAB, por outro, não tem autoridade alguma na escolha dos procuradores e juízes brasileiros. Esses são admitidos por concurso público e sequer precisam passar pelo exame da Ordem. Significa dizer que um bacharel em direito pode comprar uma apostila, estudar um ou dois anos após formado, e ingressar no Ministério Público, por exemplo, quase imberbe, com 22, 23 anos de idade e sem experiência alguma, sem a dita maturidade intelectual e experiencial.
O que desejo dizer é que, por um lado, a Constituição de 1988 criou sim o Ministério Público, mas ao longo de seus 30 anos de existência nada foi feitio para aprimorar o seu funcionamento. Daí algumas trombadas do MP com a sociedade e com a própria Justiça, por falta dos princípios da “unidade e indivisibilidade”
Creio que quando essa crônica estiver publicada na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal já terá tomado providências sobre o caso, inclusive para não turbinar a greve do dia 14. O mínimo que se pode esperar é que Sérgio Moro e Dellagnol sejam afastados de seus cargos para que haja uma apuração justa e imparcial dos fatos. Se culpados, que sejam punidos e as suas sentenças tornadas sem efeito, se não, que as suas respectivas honras sejam recuperadas.
De qualquer forma fica a certeza de que “vai passar”, pois tudo passa, até mesmo a uva passa. E, como cantou Chico Buarque, “o estandarte do sanatório geral vai passar”. Sim, sanatório geral, pois do que mais poderíamos chamar esse período em que vivemos no Brasil?
Publicado em "O Progresso" de 12/06/2019

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