A cigarra e a formiga na era neoliberal

 

Wilson Valentim Biasotto *

18/01/97 13:41

 

O verão era generoso, os alimentos fartos. A bicharada empanturrava-se sem nenhum esforço. Era bonito olhar para a natureza. O verde esparramava variados matizes pelos bosques, prados e plantações, enchendo de alegria os olhos daqueles que ainda enxergam esse tipo de beleza.

Os animais estavam tão bonitos que um condutor de cego, acostumado a andar pelas estradas, não se conteve com a beleza de um cavalo que pastava à beira da cerca e exclamou em voz alta: “que cavalo bonito!”, ao que o cego imediatamente respondeu: “bonito e gordo”.

Encabulado com a resposta o condutor perguntou como o cego poderia saber se o cavalo era gordo. Ora, disse o cego, para ser bonito é preciso ser gordo. Fez-se silêncio e os dois continuaram seu caminho até que pararam para repousar debaixo de uma árvore frondosa.

No tronco da árvore podia ser vista a casca de uma cigarra que ali morrera no inverno passado. De tanto cantar é que morreu, disse o cego, de vagabunda que é, disse o guia. Ambos entretanto equivocaram-se. Essa história é coisa de um passado remoto, da época em que trabalhar valia a pena. Vou lhes contar como se deu realmente a morte da cigarra.

O verão anterior à morte da cigarra fora também generoso. Ela aproveitara-se da fartura generalizada e cantava... cantava... somente cantava. Enquanto isso a formiga, muito precavida, pensando no que lhe poderia advir no futuro trabalhava... trabalha... somente trabalhava. Mal deixava um grão no formigueiro e já voltava para apanhar outro. E assim foi enchendo a sua casinha de grãos para aproveitá-los mais tarde.

Quanto a cigarra, quando chegou o inverno ficou meio apreensiva, mas, boa vida que era, não se envergonhou em ir bater à porta da formiga. Bateu, bateu e ninguém respondeu-lhe. Levada pela curiosidade e pela fome, arrombou a porta e, para sua surpresa e decepção, encontrou a formiga morta.

Pelo cheiro e pelo estado da casa a cigarra, muito esperta, compreendeu logo tudoo que se passara: a formiga trabalhara durante todo o verão para levar veneno granulado para a sua própria casa. Morrera de tanto trabalhar.

Mesmo enfraquecida pela fome a cigarra alçou vôo, pousou no tronco da árvore, onde agora descansava o cego e seu guia, e desandou a rir. E rio tanto da pobre formiga que estourou de prazer.

 

*O autor é doutor em História Social pela

USP   e    professor   do   CEUD/UFMS

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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